domingo, 1 de novembro de 2015

Desinformação na internet: barreira à expansão do conhecimento

04 de agosto 2015 (artigo publicado pela Associação dos Jornais Diários do Interior de SC)
Por Antonio Gavazzoni
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São inegáveis e tão fascinantes as facilidades disponibilizadas a nós por meio da internet que fica difícil imaginar nossas atividades cotidianas sendo executadas sem acesso à web. Em pesquisa divulgada no final de abril, o IBGE informou que o mundo virtual é realidade para quase metade dos brasileiros e, em cinco anos, o aumento do número de usuários foi de mais de 50%. Como ferramenta de uso ampliado e livre, a internet impulsiona tanto a produção de conhecimentos fantásticos quanto a de lixo cultural, com impressionante poder de multiplicação. Entre esses multiplicadores, temos os chamados “haters” – odiadores, em tradução literal. Pessoas que postam comentários de ódio ou crítica sem muito critério – e que, por incrível que pareça, têm público cativo, especialmente nas redes sociais.
Em artigo intitulado “A arte de escrever para idiotas”, a filósofa Marcia Tiburi classifica os diversos tipos de “críticos” que conquistaram notoriedade na internet. Pessoas que não se abrem à experiência do conhecimento, repetem clichês e defendem sem nenhuma razoabilidade ideias sobre as quais nada sabem. Esse tipo de “escritor” é extremamente ativo e amplamente aclamado. Ele inibe, muitas vezes, a exposição de ideias ou pontos de vista por parte de especialistas em seus temas, que não estão dispostos a se expor ao ódio gratuito dos milhares de “sem noção” espalhados pela rede.
Um exemplo clássico é a divulgação de situações que envolvam governo e economia local. Um post recente de um tarimbado jornalista catarinense sobre Lei de Responsabilidade Fiscal, suscitou comentários inflamados blasfemando a Petrobras, as viagens dos deputados, os cargos comissionados - assuntos totalmente desconectados do tema exposto. O tema comissionados é, via de regra, o campeão de audiência entre os comentários dos haters que expõem, com orgulho, sua total ignorância sobre o funcionamento dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Importante deixar bem clara a diferença entre aqueles que não sabem, porque muitas vezes não tiveram oportunidade ou mesmo interesse – e aqueles que não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe.

Você, que está se dando ao trabalho da leitura deste artigo, talvez não saiba que o que o Governo do Estado gasta com os cargos comissionados não representa 1% do total da folha de servidores, e que SC tem o menor quadro de comissionados do Brasil. Os números escancaram que, definitivamente, não é aí que se concentram os gargalos para investimentos. Se a sociedade fosse consciente do funcionamento das estruturas que ela ajuda a bancar, talvez tivéssemos ainda mais haters – mas aí com conhecimento de causa. Que protestariam, por exemplo, contra o fato de gastarmos mais com o pagamento da previdência dos servidores públicos do que com educação e saúde para toda a população. Nosso estado tem hoje o quarto melhor portal de transparência do Brasil. E a grande maioria dos acessos ainda se dá para a consulta sobre os salários dos servidores. O que falta não é informação, é interesse.

A próxima crise


28 Julho 2015 (artigo publicado pela Associação dos Jornais Diários do Interior de SC)
Por Antonio Gavazzoni
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Não questiono o direito de qualquer ser humano de buscar sempre o melhor para si, de lutar por seus direitos. Mas existem realidades convencionadas imexíveis que precisam ser questionadas quando o contexto em torno delas aponta para a necessidade de mudanças. Este é o caso da previdência pública. Na esfera federal, a projeção de déficit da previdência social para 2015 é de R$ 72,8 bilhões: um rombo elevado em 28,4% sobre o ano passado, percentual muito superior ao da inflação do período e à capacidade da arrecadação pública.
Dados estarrecedores do Ministério da Previdência mostram que a União gasta hoje, com previdência, cinco vezes mais do que o que investe em educação e saúde. E essa desproporção deve aumentar, já que grande parte das pautas no Congresso tende a agravar a situação. Ainda segundo o Ministério, em 2050 deveremos ter no Brasil três vezes mais idosos do que hoje.
Aqui no Estado, a realidade também é gritante: em 2014, o gasto com a insuficiência financeira da previdência de 60 mil servidores e pensionistas (entre executivo e Poderes) equivaleu a tudo o que foi gasto com saúde para os mais de seis milhões de catarinenses. Somente este dado já ilustra que a previdência é hoje, o maior problema do Estado. E não podemos ignorar o fato – extremamente positivo, diga-se de passagem – de que Santa Catarina é o Estado mais longevo do Brasil, com expectativa de vida de 78,1 anos. Cuidar melhor da qualidade de vida dessa população crescente também deve ser uma de nossas preocupações.
Não se discute direitos adquiridos – até porque não há solução para um problema criado no passado, quando se deixou de fazer poupança por décadas. E também não existe milagre que venha a dar fôlego imediato ao caixa do Governo. É no futuro que se precisa mirar. Hoje, arrecadar sempre acima da inflação é o único instrumento à disposição dos Estados e do país para manter as contas em dia. Se isso não acontecer de forma permanente – e já tivemos demonstrações de que não acontecerá, teremos que optar por pagar inativos ou assistir à sociedade.
Politicamente, também é uma batalha inglória. Mas, do ponto de vista moral, perante a sociedade, algo precisa ser feito. Criamos uma legião de diferentes. Quando os cidadãos tiverem claro o custo de benefícios exclusivos do serviço público, em comparação com o investimento em obras e serviços, as manifestações irão além dos cartazes e da internet. Estabilidade, trênio e licença-prêmio – apenas para listar alguns – são direitos adquiridos, mas que não fazem parte da vida dos trabalhadores na iniciativa privada – que formam a imensa maioria da população ativa. Essa maioria, ao ter acesso a alguns casos gritantes, como de certas aposentadorias especiais e pensões, não ficará passiva. A morte dos direitos se dá quando o fato é maior do que o direito.

Estamos colocando o problema na mesa, discutindo com os Poderes, ouvindo especialistas, estudando experiências exitosas. Não temos receita pronta, mas é certo que alguns privilégios precisam ser corrigidos. Decisões tomadas hoje contra a sustentabilidade vão implodir todo o sistema amanhã. Se, sabendo do problema, não fizermos nada, no futuro seremos taxados de loucos ou no mínimo irresponsáveis.

Produtividade, caminho único para a gestão pública

21 Julho 2015 (artigo publicado pela Associação dos Jornais Diários do Interior de SC)
Por Antonio Gavazzoni
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É possível implantar meritocracia e ganhos por produtividade entre servidores públicos que já contam com bons salários, estabilidade no emprego e benefícios diferenciados da grande maioria? A resposta é sim. E temos um exemplo bem-sucedido no governo do nosso Estado – mais precisamente na Secretaria de Estado da Fazenda.
No ano de 2008, quando o mundo enfrentava uma grave crise econômica que logo chegou ao Brasil, Santa Catarina foi o Estado primeira e mais duramente atingido. Tivemos o infortúnio de assistir a uma das maiores tragédias climáticas da história catarinense, com enchentes e deslizamentos que avassalaram o Estado e deixaram, além de 128 vítimas fatais, cerca de 60% do PIB diretamente afetado. A queda brusca na atividade econômica do Estado nos meses de novembro e dezembro pintava um quadro assustador para as empresas e para a administração pública. Em dois meses, a queda na arrecadação chegou a R$400 milhões.
Foi nesse cenário que assumi pela primeira vez a Secretaria de Estado da Fazenda. Com muita vontade de acertar e apoio irrestrito do quadro de servidores fazendários – sem dúvida um dos melhores do Brasil – decidimos não nos render àquela catástrofe. Resolvemos o problema trazendo toda a inteligência da Secretaria e construindo a solução para um pleito antigo. No dia 13 de maio de 2009, o então governador Luiz Henrique da Silveira assinou, perante um teatro abarrotado de servidores de todo o Estado, o Acordo de Resultados da Fazenda. A partir dali, os ganhos variáveis dos fiscais, auditores e analistas ficavam vinculados ao desempenho da arrecadação. Quanto melhores fossem os números, melhores seriam os ganhos no contracheque. E se houvesse queda na arrecadação, da mesma forma caía o valor percebido pelos servidores. Estava plantada a semente da meritocracia, que, em seis meses, florescia com o primeiro bilhão de reais arrecadado em um mês na história. Produzimos a maior arrecadação de Santa Catarina e não o fizemos somente em cima do ICMS, mas muito em função da cobrança de valores em dívida ativa, por empenho dos profissionais contemplados pelo acordo de resultados. A diversidade e o dinamismo da indústria catarinense também colaboraram para o resultado.
De 2009 a 2014, o crescimento da arrecadação em Santa Catarina esteve sempre acima da média nacional. Chegamos a ter o maior crescimento proporcional do país e em 2014 ficamos no topo do ranking dos estados com maior crescimento na arrecadação de ICMS.
Podemos dizer que se trata de um case de sucesso. Embora ainda não meçamos o desempenho individualmente, quebramos um paradigma do serviço público. Outras áreas, como a saúde, começam a experimentar benefícios da produtividade. Com o Plano de Gestão da Saúde, a partir de 2013 os médicos de hospitais públicos estaduais passaram a receber conforme uma tabela de pontuação por procedimento. É um trabalho que está no início, mas que, por exemplo, auxiliou a produtividade do hospital Celso Ramos, em Florianópolis, a saltar de 400 cirurgias por mês em 2014 para 1,245 em março deste ano - um recorde em 50 anos de instituição.

São exemplos muito diferentes, já que o acompanhamento da produtividade deve levar em consideração a realidade de cada ramo de trabalho. Mas ambos mostram que esse caminho não só é possível, mas inevitável.

Democracia e reinvenção do Estado



Artigo de minha autoria postado no jornal Diário Catarinense
Para comentar: contatogavazzoni@gmail.com


Os regimes parlamentaristas buscam a sintonia com a opinião pública por um modelo que permite a queda do governo em caso de crise ou escândalos, sem significar retrocesso. No presidencialismo americano, onde o voto é facultativo, os políticos correm atrás do engajamento da sociedade por meio das prévias partidárias, que percorrem os estados em verdadeiras mini eleições. Na pequenina Islândia, os cidadãos podem participar dos debates da reforma constitucional usando redes sociais. O arranjo democrático varia, mas o objetivo central é o mesmo: incentivar a população a debater temas importantes. E no Brasil, o que temos feito nesse sentido?
 Testemunhamos os cidadãos indo às ruas pedir de tudo um pouco, do fim da corrupção à volta dos militares. A diversidade temática indica uma insatisfação generalizada, sem uma queixa central clara, diferente de quando os brasileiros saíram às ruas para pedir eleições diretas. Quando a pauta é difusa, o desafio interpretativo ganha outra dimensão, pois fica mais difícil transformar muitas palavras de ordem em projetos transformadores.
 Um possível caminho para enfrentar a irritação social seja analisar onde estão os abusos cotidianos que o Estado comete contra o cidadão. São abusos que surgem silenciosamente e se juntam a outros abusos mais antigos. O Estado abusa da sociedade, por exemplo, na previdência, ao não apresentar um projeto eficiente que resolva o caos. Isso vai estourar feio. E não demora
 Outro exemplo? O acesso à Justiça é direito constitucional. Mas como garanti-lo se contamos com 17 mil juízes para desbastar 94 milhões de processos? Numa divisão aritmética, cada juiz precisaria despachar 5.529 processos para vencer o estoque. Ao ritmo de uma sentença por dia, levaria 15 anos para darem conta das ações estocadas. Prometemos algo bonito na Constituição, mas não entregamos um sistema que funcione no dia a dia.

 Vamos empurrar os problemas para nossos filhos e netos resolverem? Ou debatê-los agora, dando à sociedade razões para voltar a acreditar em seus líderes? É possível modernizar a gestão pública, reduzindo as promessas e melhorando as entregas. O Estado não tem o tamanho dos nossos sonhos, mas o limite estabelecido pelo orçamento. Se os governantes apontarem o caminho, as pessoas se sentirão mais respeitadas e ficarão menos arredias.